segunda-feira, 25 de julho de 2011

O silêncio para Lacan, Dolto e Aulagnier

Representado eminentemente a partir das contribuições de Jacques Lacan, o silêncio vai ser compreendido sobre dois eixos teóricos, a palavra plena e a palavra vazia e o binômio silere e tacere. Além de Lacan, pretende-se enfatizar também as contribuições de Piera Aulagnier e a questão do segredo na psicanálise, e Françoise Dolto e o silêncio como resposta da solidão.
Para Lacan, a palavra é plena na medida em que realiza a verdade do sujeito; em oposição, a palavra é vazia em relação àquilo que tem de fazer no aqui e agora com seu analista, em que o sujeito se perde nas maquinações do sistema de linguagem a que está subsumido, no labirinto dos sistemas de referência que lhe dá o estado cultural do qual faz parte, em suma, é através desses dois paradoxos que, segundo afirma Lacan, dá-se uma série de desdobramentos de realização da palavra. Mas insiste: é na medida em que a palavra é a mais plena no discurso do sujeito que o analista pode mais intervir. Do contrário, quanto mais o discurso é vazio, o analista tende a buscar algo para além do seu discurso, além daquilo que o sujeito tem a realizar, mas ainda não realizou.
Quanto ao segundo eixo teórico, Lacan proporá o paradoxo do silêncio original ao silêncio produzido pela situação do calar-se: sileo e taceo.
De acordo com Jacques-Alain Miller Silet em latim é a terceira pessoa do presente do indicativo do verbo “silere”, que pode ser traduzido como a atividade de “permanecer em silêncio”, no sentido de um verbo ativo. Para ele, quando se diz “calar-se”, imaginamos que alguém nos faz calar, porém, trata-se de uma atividade de guardar silêncio. Por conseguinte, “taceo” seria o silêncio da palavra não-dita, o calar-se, o silenciar-se ou ser silenciado. Sileo é um silêncio fundante, estruturante e sugestivo da ausência essencial da palavra, ou dito de outro modo, o buraco, o vazio da significação. Segundo Lacan, “sileo não é taceo. O ato de calar-se não libera o sujeito da linguagem apesar de que a essência do sujeito culmine nesse ato; se exerce a sombra de sua liberdade, o calar-se permanece carregado de um enigma por ter passado tanto tempo na presença do mundo animal ”.
Com isso, Lacan postula que haveria, entre tantos, dois tipos de silêncio: um silêncio que é, em sua forma original, o nada a dizer, o calar-se, ressaltando que a palavra guarda em si mesma o vazio do silêncio. O sileo é o nada dizer, é permanecer de boca fechada ressaltando os poderes e o valor da palavra diante de um discurso que não se apresenta. O analista põe-se sempre a falar do silêncio do seu analisando posto que, quando fala, fala ou deveria falar a partir do silêncio daquele. Há, portanto, afinidades diante do silêncio e do gozo, satisfação dita inconsciente, satisfação esta da qual não se sabe absolutamente nada. Aqui há uma condição fundante do sujeito, a do “fala-a-ser”. Existe, porém, de acordo com Jacques-Alain Miller, o gozo de não falar, o taceo. Se um discurso dirigido a um Outro que permanece em silêncio, encontra a si mesmo, então a experiência do calar-se, do taceo, diz de uma outra condição, qual seja, a de um “falta-a-ser”.
Para Françoise Dolto o silêncio está muito próximo do sentimento de solidão. Para a autora, a solidão é o lugar da comunhão e da construção inacabada e frágil da vida – logo, suscita o desejo de comunhão com o transcendente e da própria vida interior. Na tradição cristã, há a consciência que o discurso sobre a Trindade nos obriga a trocar as palavras por balbucios, ou seja, para a metapsicóloga, o esquema trinitário está próximo da experiência que todo o sujeito faz na organização do seu mundo interior, na maturação de si. Diz a autora: “Acho maravilhoso encontrar em Deus a Trindade, essa relação de amor a três. É algo que encontramos justamente no desejo de viver de cada um de nós. Assumimos aí o nosso papel no interior de uma situação triangular: pai, mãe, filho. […] O facto de remontar à Trindade, ou seja, aos três desejos divinos circulantes, é extraordinário, pois foi assim que fomos concebidos”. Mas não só. Todos os “segundos nascimentos”, sempre que a vida nos impele a um recomeço, seja a partir de feridas e perdas, seja a partir de encontros e esperanças, o “esquema trinitário” nos torna imprescindível. “A nossa solidão só pode ser curada quando expressa criativamente e quando ajudada por alguma outra pessoa, que cria assim uma situação triangular. Somos dois, conversamos: o terceiro é a palavra. A palavra, que vem sempre  de outro, prova que somos três”.
Por fim, para Pierra Aulagnier o silêncio ora se coaduna com pensadores da Escola Inglesa ora com pensadores da Escola Francesa, mais especificamente da escola lacaniana de psicanálise.
Em seu texto “Direito ao Segredo – condição para poder pensar”, a autora propõe um novo paradigma, qual seja, a de que o imperativo de dizer tudo numa análise possa também se sustentar pelo direito ao silêncio, ao calar-se (ticeo) e, portanto, guardar segredo.  Para ela, pensar secretamente não precisa ser necessariamente interpretado. O direito a guardar segredo em silêncio, na verdade, é uma aquisição mais elaborada do EU (ego), e é uma condição para que se possa pensar, elaborar, fantasiar, criar, ou seja, uma dimensão elaborada da interioridade e, porque não dizer, do próprio inconsciente. Para Aulagnier “perceber que a singularidade da experiência e da relação analítica não está tanto, como se acreditava, no fato de dever exprimir pensamentos, afetos, que nos dizem respeito e de não receber nenhuma resposta, mas sim nessa estranha injunção interiorizada que obriga ao analisando a falar como se estivesse privado de todo direito de escolha sobre o dito e o não dito”. Dito de outro modo, a autora sustenta a autonomia de que guardar segredo e permanecer em silêncio é, antes de tudo, uma aquisição do próprio EU necessário ao próprio aparelho psíquico, o que a aproxima, por um lado da “capacidade de estar só” em Winnicott, mas também da dicotomia lacaniana entre o sileo e o taceo.



Doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br.

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