segunda-feira, 25 de julho de 2011

Imagem e esquema corporal



A expressãoimagem do corpo” é usada mais frequentemente para fazer referência à aparência física sobre os distúrbios de comportamentos alimentares ou a deficiência física. Ela pertence ao mesmo tempo à linguagem da neurologia, da psiquiatria e da psicanálise e adquiri significados diferentes segundo a época, a disciplina ou os pressupostos teóricos dos diversos especialistas que a empregaram ou a empregam.
Para Paul Schilder a imagem corporal é uma “figuração de nosso corpo formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós” cuja representação é dada através de várias sensações advindas da superfície do corpo, dos músculos, das vísceras, etc. Por outro lado, ele define esquema corporal conforme a percepção da postura do corpo, ou seja, uma imagem tridimensional que todos nós temos de nós mesmos. Toda a construção da imagem e do esquema corporal, para Schilder, está baseada na percepção do corpo como uma unidade. Ele, portanto, faz uso dos termos como se fossem sinônimos.
Em um determinado momento, Schilder chega a afirmar que a imagem corporal pode se encolher ou se expandir, e como tal, podemos anexar objetos externos à imagem do nosso corpo. “Quando tocamos um objeto com a extremidade de uma vareta, a sensação é percebida na ponta da vareta. Esta se torna, realmente, parte da imagem corporal”. Até mesmo uma peça de roupa, pode mudar a imagem que temos do nosso corpo! Schilder, portanto, confunde imagem com esquema corporal ao afirmar que a imagem do corpo pode incorporar objetos. Mas uma coisa é a construção da imagem do corpo em nossas mentes, outra é como os objetos externos são incorporados como umacessório” ao nosso corpo para que ele faça parte de nosso esquema corporal, tal qual um objeto externo a ele.
Apesar de seus estudos se darem no âmbito das lesões neurológicas, Schilder não avança na discussão quando deixa de abordar a questão pela via do mental versus físico a exemplo de outros autores.
Para a fenomenologia, o corpo é um objeto intencional e consciente, logo, a imagem do corpo é uma imagem ou representação consciente, abstrata e desintegrada que se diferencia do resto do ambiente. Por outro lado, o esquema corporal é definido como um conjunto de sensações proprioceptivas que fornecem ao organismo sua posição gravitacional no ambiente e não apenas o seu modelo postural, no qual, através dos órgãos dos sentidos, o corpo estaria apto a agir e reagir aos estímulos do ambiente.
O primeiro necessita de um fato mental com intencionalidade - pois está sempre se referindo a um outro que lhe é exterior; de uma privacidade - pois é constantemente solicitada a representar à sua própria existência e o seu próprioeu”; por fim, necessita de uma representacionalidade – que pressupõe um mínimo de competência lingüística do sujeito, ou dito de outro modo, a imagem do corpo é linguisticamente organizada de modo reflexivo ou pré-reflexivo, consciente ou inconsciente, afirma o psicanalisa Jurandir Freire Costa.
O esquema corporal, por outro lado, nem é uma compreensão perceptiva, nem cognitiva, nem emocional, ele se distingue da imagem do corpo, pois ele é uma performance inconsciente sem uma intencionalidade. Nessa performance, o corpo adquire uma organização ou estilo em relação ao ambiente podendo incorporar objetos externos a ele. O esquema corporal é a forma como o corpo experiencia o ambiente em que se encontra. Ele envolve um conjunto de capacidades motoras, habilidades e hábitos que capacita os movimentos e a postura do corpo no eixo gravitacional, e como tal é um sistema de funções motora e postural que opera em um nível inferior da intencionalidade auto-referente, muito embora essas funções possam ter uma atividade intencional.
Para experienciar o mundo, o corpo precisa agir, e para que o corpo possa agir no mundo ele necessita de uma intencionalidade e um mínimo de competência linguística para poder se representar nesse mundo.
Vários são os exemplos que podemos usar para ilustrar esse fato. O mais comum refere-se à vareta que um deficiente visual usa para caminhar – o seu corpo não se resume apenas a seus membros, mas prolonga-se até a última ponta da vareta que ele usa para construir mentalmente o caminho a percorrer. Do mesmo modo, o corpo do piloto de um avião não se resume à sua matéria corporal, mas sim a toda aeronave que ele pilota. Por extensão, um exímio digitador ou pianista tem a ponta de seus dedos prolongados pelo teclado ou do computador ou do piano, praticamente incorporando esses objetos ao seu esquema corporal. É ao esquema corporal que podemos anexar objetos externos ao nosso corpo e não à nossa imagem corporal.
Esquema e imagem corporal, portanto, são formas fenomênicas do corpo experienciar o mundo que o cerca e participam da constituição subjetiva do nosso eu (self), através de uma ação sobre o mundo (intencionalidade) e de uma competência linguística (descrições narrativas de si). Com o aporte fenomenológico, unido ao conhecimento neurológico, podemos entender melhor determinados distúrbios da identidade pessoal e da imagem corporal.
A possibilidade de usamos as ferramentas do conhecimento neurológico e da fenomenologia da percepção, tais como descrevemos acima, aliado ao nosso conhecimento das teorias da subjetividade e das descrições narrativas de si, seja um caminho que se abre notadamente para o tratamento de pacientes com distúrbios neurológicos ou com distúrbios de imagem corporal.



Doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br.

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