Historicamente o fenômeno do membro fantasma é conhecido desde a antiguidade, mas a primeira percepção deste, na literatura médica, foi observada no século XVI pelo cirurgião francês Ambroise Pare, a partir da perda do braço direito de um combatente em guerra, levando a crer que a sensação do “fantasma” seria a prova mais do que definitiva da existência da “alma humana” no nosso corpo pois, se um braço pode existir mesmo após ter sido retirado, por que a pessoa inteira não poderia sobreviver à aniquilação física do corpo? Não seria esta a prova definitiva de que o "espírito" continuava existindo muito tempo após de ter se livrado de sua carcaça?
Outra prova pôde ser encontrada através dos relatos de Lord Nelson, que após ter perdido um braço durante um ataque a Santa Cruz de Tenerife, experienciou dor no membro fantasma, incluindo uma estranha sensação de dedos tateando a palma da sua mão. A emergência dessas sensações levou o Lord Nelson a proclamar que ele tinha a prova direta da existência da alma, pois, mais uma vez, se um braço pode resistir fisicamente à sua aniquilação, porque não toda a pessoa?
Não obstante, a primeira descrição clínica do membro fantasma foi feita por Silas Weir Mitchell em um artigo “Injuries of Nerves and Their Consequences” em 1872. A palavra “membro fantasma” foi introduzida por Weir Mitchell ao verificar a experiência do membro perdido em alguns pacientes que tiveram uma extremidade amputada como ainda estando presente no corpo e, em alguns casos, também experienciaram dor ou câimbras6. O termo também é usado para designar uma associação entre a posição perdida do membro e sua atual posição, tais como ocorre durante uma obstrução espinhal ou do “plexo braquial”. É importante notar que em todos esses casos os pacientes reconhecem que as sensações não são verídicas, eles experimentam uma ilusão e não um engano.
Já em março de 1887, portanto, quinze anos depois de Mitchell, William James também publicava um artigo científico intitulado “The Consciousness of Lost Limbs” no periódico “Proceeding of the American Society for Psychical Research”, reafirmando a demanda da existência de membros fantasmas e fazendo algumas observações e críticas ao trabalho de Weir Mitchell.
Segundo James, as principais questões que se precisava pontuar era a de que (1) alguns pacientes preservam a consciência do membro depois de tê-lo perdido, outros não; (2) em alguns casos, a sensação sempre aparece em uma posição fixa, em outros, sua aparente posição muda e, por fim, (3), a posição pode mudar de acordo com algum esforço ou a própria vontade do sujeito, mas em outros casos, nenhum esforço ou vontade pode fazer esta mudança; em raríssimos casos o desejo de mudar pareceria cada vez mais impossível. Porém, a consciência do membro perdido varia de acordo com “a dor, picada, coceira, queimação, câimbra, preocupação, topor, etc., no calcanhar ou em outro lugar, sentidos que são duramente perceptíveis, ou que se tornaram perceptíveis apenas depois de se pensar sobre ele. O sentimento não está presente na condição do “coto”, e “cotos saudáveis” e “dolorosos” podem estar presentes ou ausentes”.
Até mesmo Descartes em “Os Princípios da Filosofia” fizera referência ao fenômeno, ressaltando o dualismo “mente-corpo”. De acordo com o autor, algumas vezes algumas doenças podem afetar o cérebro fazendo-nos perder o sentido de algumas partes do corpo através da obstrução de um nervo que conecta o cérebro ao corpo.
Descartes chega até mesmo a fazer referências às sensações de dor na mão e no braço de uma garota que tivera o membro amputado. Mas a neurologia só veio dar mais alguns passos adiante após a década de 1930, sobretudo na União Soviética, com os estudos de A. R. Lúria, com a criação da “neuropsicologia”.
Não obstante, os estudos contemporâneos dos membros fantasmas têm se dado sistematicamente desde os primeiros anos da década de 90 através de achados científicos que comprovam mudanças nos mapas somatópicos do cérebro.
Ora, a neurologia clínica tem sido uma ciência mais descritiva do que experimental. Ela caminhou alguns passos a mais após os estudos desses “fantasmas” e pôde corroborar (ou não) alguns pressupostos entre o dualismo mente-corpo/mentecérebro, reforçados nos últimos anos pelos estudos das neurociências e pelas técnicas de imageamento do cérebro.
Para tanto, o ponto básico estava na investigação da relação entre a anatomia do cérebro com várias partes do corpo distribuídos e mapeados no córtex cerebral, pelo grande revestimento convoluto da superfície externa do cérebro.
A ressurgência dos estudos sobre os “fantasmas no corpo” ou “membros fantasmas” só vieram a tomar forma a partir dos experimentos laboratoriais os quais possibilitaram mostrar como os mapas sensórios motores poderiam mudar no córtex cerebral.
Um dos experimentos mais famosos foi descoberto a partir daquilo que ficou conhecido como sendo o “homúnculo de Penfield” (veja na foto acima). O “homúnculo de Penfield” é uma representação artística de como diferentes pontos da superfície do corpo estão “mapeados” nos dois hemisférios do cérebro, algumas vezes, através de traços deformados para indicar que tais partes do corpo têm localização específica em alguma das regiões.
O “mapa” foi construído a partir de experimentos feitos com seres humanos durante cirurgias realizadas pelo canadense Wilder Penfield. Nessas cirurgias o cérebro de alguns sujeitos fica exposto sob anestesia local e determinadas regiões do cérebro eram estimuladas por Penfield com um eletrodo que lhes perguntava o que sentiam. O resultado era a produção de imagens, sensações corpóreas ou lembranças e memórias. A partir disto, várias áreas do cérebro puderam ser correlacionadas com partes do corpo.
A ideia é que o cérebro corresponde a um mapa genérico de várias partes do nosso corpo sendo o homúnculo, portanto, um mapa neural, desafiando as bases materialistas da ciência.
O mapa cerebral representado pelo “homúnculo” reflete a capacidade que o cérebro possui de discriminação sensorial e sua importância motriz referente a cada uma das partes de nosso corpo visto que ele está distribuído ao longo de todo o córtex cerebral nos dois hemisférios. A ocorrência de um membro fantasma ilustra, portanto, a capacidade do cérebro de perceber, agir e gerenciar cognitivamente a imagem do corpo, visto que ele é uma máquina sensóriomotora, ou seja, possui a função de discernir os estímulos das respostas, de decidir, tomar decisões e etc., cuja representação corporal se prolonga por toda a sua superfície em ambos os hemisférios.
Doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br.
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