domingo, 17 de julho de 2011

A eutanásia hoje


A foto acima é da norte-americana Terry Schiavo, morta em 2005 nos Estados Unidos.
Terry faleceu aos 41 anos no dia 31 de março de 2005 após passar quinze anos em estado vegetativo. Ela sofreu um dano irreversível no cérebro por falta de oxigenação, resultante de uma parada cárdio-respiratória após um pequeno acidente doméstico. A batalha jurídica que se seguiu por nove dos quinze anos em que ela permaneceu em coma profundo entre o seu marido (seu tutor e defensor de que ela preferia morrer a ser mantida viva sob essas condições) e seus pais (que defendiam o direito de Terry continuar sendo alimentada através da sonda gástrica), levou a corte norte-americana a se posicionar diante dos fatos, gerando uma discussão em torno do valor da vida e levantando questões bioéticas de difícil consenso. O “Caso Terry”, como assim ficou conhecido através da mídia, foi amplamente divulgado em todo o mundo. Nos Estados Unidos o caso provocou aquilo que os juristas denominaram “A lei de Terry” (Terry´s Law), uma discussão que chegou às raias da Suprema Corte Norte-Americana e prescindiu da intervenção do presidente George W. Busch.
Esse é mais um exemplo de como podemos pensar a eutanásia hoje.
A eutanásia vem do grego, significa “boa morte” ou “morte apropriada” e foi proposto por Francis Bacon em 1623 em sua obra “Historia vitae et mortis” como sendo um “tratamento adequado às doenças incuráveis”. A palavra traz na sua construção semântica "Eu" (que significa "boa" ou "bem") e "thanatos" ou "thanasia" (que significa morte), e não tem referência ao modelo dos “cuidados paliativos” adotados por profissionais e técnicos da saúde em centros hospitalares.
De acordo com Rachel Aisengart Menezes, em seu livro “Em busca da boa morte (etnografia dos cuidados paliativos) a proposta dos cuidados paliativos (Hospice – em inglês), nasceu de um conjunto de práticas e discursos que surgiu inicialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos no final dos anos 50 e início dos anos 60, através de uma assistência aos pacientes diagnosticados como “fora de possibilidades terapêuticas” e em oposição a uma prática médica tecnologizada, institucionalizada, racionalizada na qual o doente é excluído do processo de tomada de decisões. Os cuidados paliativos são um conjunto de procedimentos aplicados no atendimento e acompanhamento no último período de vida de pacientes com doenças crônicas ou degenerativas, composto em sua maioria por uma equipe multiprofissional (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos, fisioterapeutas, etc.), propondo na diminuição da dor e demais sintomas dos pacientes, o que também ficou conhecido como sendo “a boa morte”. Porém, os princípios da “boa morte” são inseridos conscientemente naqueles indivíduos que sabem que vão morrer e que não tem possibilidade de cura, propondo um controle de sua situação, alívio da dor e escolha sobre o seu local de morte, além de acesso a informações e das pessoas com quem deseja compartilhar o final da sua vida. Com essa proposta, procura-se, de certo modo, “humanizar o ambiente hospitalar” para tornar aquele ambiente “o mais agradável” para aqueles que vão morrer e depender daquele espaço no final da vida.
Diferentemente da proposta dos cuidados paliativos, no Brasil, segundo pesquisa da Data Folha publicada no Jornal Folha de São Paulo  em 08 de abril de 2007, a eutanásia é reprovada por 57% da população, e apenas 36% concordam com a sua prática. Em nosso país, assim como em muitos países, a eutanásia é considerada crime apesar de tramitar no Senado Federal o Projeto de Lei Nº 125/96 que estabelece critérios para a “morte sem dor”. O projeto diz que pessoas com sofrimento físico ou psíquico possam solicitar procedimentos que visem sua morte. A autorização se dará por uma junta médica composta de 5 membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante. Se o paciente for incapaz de expressar sua vontade, um familiar ou amigo podem solicitar na justiça a autorização.
A eutanásia só é permitida em países como o Uruguai (onde há a exoneração do castigo), na Holanda e na Bélgica (que não deixa de se caracterizar como homicídio, apesar de não culpar seus praticantes), e na Suíça que tenta legalizar o suicídio assistido.
Bem sabido que na Holanda, 3,5% das mortes em hospitais são apressadas pelos médicos. Em 1995, de 140.000 óbitos, 3.600 foi por meio de eutanásia autorizada pelo doente, dos quais 400 foram por suicídio assistido. Aqui entramos em um problema da Bioética. No Brasil, para ser mais específico, não há diferença significativa de que essa prática seja corrente nas UTI´s dos hospitais. Aqui, a eutanásia é um modo de escolher as pessoas que têm mais chances de sobrevivência dentro de uma UTI, envolto em uma bolha maior que é um sistema de saúde caótico como o nosso.
Só para se ter uma ideia, de acordo com pesquisas realizadas 40% das pessoas morrem sentindo dores insuportáveis; 80% enfrentam fadiga extrema e 63% passam por grande sofrimento físico e psíquico ao deixar a vida, principalmente aquelas que se encontram em ambientes hospitalares e com doenças irreversíveis. A morte para essas pessoas, na maioria dos casos, tem sido uma experiência dramática e dolorosa. E morrer custa caro: definhar em um hospital sai, em média, mais de 4.000 reais ao dia, custando seis vezes mais se for numa UTI.
Mas há um outro problema em tratar da eutanásia e da finitude: a barreira religiosa que concebeu vida e morte como tendo valores sagrados e fundamentais.
Se a vida passou a ser algo inviolável, o que dizer das pessoas que se encontram em estados limites, acometidas de doenças incuráveis e de grande sofrimento físico ou psíquico? Por que dar direito às pessoas de decidirem sobre a sua própria vida ou morte?
Ora, ninguém pensa na morte. Mas ela faz parte do nosso dia a dia. A cada milésimo de segundo, milhões de células do nosso corpo morrem e outros milhões nascem. A cada minuto, no mundo, alguém tem que decidir entre a vida e a morte de uma pessoa sob condições irreversíveis de doenças. Milhões são gastos dia a dia para manter viva uma pessoa sob condição vegetativa, “entubadas” ou dependentes de aparelhos para sobreviver sem que, no entanto, exista legislação suficiente para dar conta dessa realidade no mundo.
Será que realmente precisamos de uma política de morte do mesmo modo como temos uma política de vida? Fica a pergunta para poder pensarmos a respeito.



Doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br.

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