quarta-feira, 24 de novembro de 2010

NEUROTEOLOGIA OU A MENTE MISTICA?



A mente humana. Um terreno ainda pouco conhecido e ainda há muito que ser descoberto em sua complexidade, desde que a filosofia grega antiga até a mais moderna tecnologia de imageamento cerebral se propôs a desvendar esse mistério. Não é simplesmente um desejo de uma raça (humana, é preciso que se diga), mas assim como a origem do universo para alguns astrônomos ainda é uma incógnita e tem levantado novas teorias acerca de quando e como o mundo se originou, o funcionamento da mente e sua relação com as funções cerebrais tem inquietado ainda mais vários neurocientistas na contemporaneidade.

Se a origem do universo está relacionada direta ou indiretamente com uma causa divina, a briga entre astrônomos e religiosos parece não ter fim, ou talvez nossa capacidade de analisar e explicar a “poeira cósmica” tenha se aproximado cada vez mais dos relatos bíblicos, dando-nos a certeza da existência de Deus ou de alguma entidade divina que tenha causado o “big bang”, tal como a tese defendida pela maioria dos astrônomos.

Ora, se nossa mente é capaz de produzir uma capacidade ilimitável de explicações causais para um mesmo fenômeno, por que não tentar explicar “científica” e “empiricamente” a existência de Deus em nossa mente ou mais precisamente, em nosso cérebro? É a isso que vários neurocientistas dos mais variados credos religiosos vem tentando explorar.

Deem o nome que quiserem àquilo que os gregos chamavam de “a sede da alma” ou simplesmente ao que os teólogos denominam de “alma”. A alma humana (preocupação de cientistas sociais) também constitui, juntamente com o cérebro, na preocupação de vários neurocientistas que buscam solucionar um dos últimos enigmas da contemporaneidade: como se dá o funcionamento do cérebro para todas as experiências que nos cercam?

Em um livro intitulado “Anima”, do jornalista John Darnton, a preocupação em revelar a existência de Deus e da alma humana através da tecnologia de imageamento cerebral é colocado em questão através da história de dois notórios cientistas da neurologia. Na ficção, um deles – Dr. Cleaver - busca capturar a alma humana de um de seus pacientes e aprisioná-la em um programa de computador. Seu objetivo é provar que se a alma existe, após a morte, ela deve seguir para algum lugar e, se a alma puder ser monitorada e observada, talvez seja possível capturá-la no momento exato em que ela abandona o corpo.

“Anima” é a quintessência da consciência, é o nosso pensamento, é o pedaço que nos torna conscientes de nós mesmos e nos separa do resto do mundo e dos outros animais inferiores. Mas “anima” também é uma palavra que vem do latim: ela é o feminino de “ânimus”, ou seja, mente ou espírito. Mas, tal como formula o Dr. Cleaver, se a ânima existe na vida, então deve ser liberada na morte. E se é liberada na morte - e, como quer o folclore, viaja pelo espaço para fazer contato com um ser amado no exato momento do último suspiro [ou talvez encontrar-se com Deus – acréscimo meu] – então por que não registrá-la por meio de imagens neurológicas? E registrar não somente na pessoa que morre – seriam de esperar deslocamentos na atividade cerebral dela – mas na pessoa viva, o receptor. Por que não ver se a pessoa viva registra uma atividade cerebral extraordinária no momento exato em que o agonizante entre a alma a Deus?

Será possível provar que a consciência viveria fora do corpo e que os pensamentos, temores, sonhos, pesadelos e emoções teriam existência independente do nosso corpo? Será possível vislumbrar um dia que poderemos assistir o advento da fusão do homem com a máquina, criando um novo homem através de uma “mente desencarnada”, fora da sua morada? Ou então, será possível verificar o momento exato da centelha divina que nos dá vida do mesmo modo em que poderia ser possível capturar a alma humana a partir da criação engenhosa do homem através de máquinas?

Se o objetivo do Dr. Cleaver, na ficção, é atingido ou não, não importa. O que importa é que assim como a ficção produziu inúmeros filmes e livros acerca do alcance do espaço pelo próprio homem, a relação mente x corpo x cérebro x Deus também já passou a produzir novas histórias de igual magnitude e assim como vimos estarrecidos alguns dos sonhos espaciais transformarem-se em realidade, é bem possível que estejamos neste exato momento sendo expectadores e testemunhas de uma nova aurora da ciência médica e neurológica: a neuroteologia.

A neuroteologia é também conhecida por “bioteologia”, “neurociência” ou “ciência espiritual”. Seu objetivo é testar as correlações dos fenômenos neuronais das experiências subjetivas e da espiritualidade, explicando esses fenômenos. Os defensores da neuroteologia advogam por uma base neurológica e evolutiva para aquelas experiências tradicionalmente categorizadas como experiências religiosas, ou seja, são aquelas experiências de transcendência do eu, de meditação profunda, do sentimento da presença de espíritos de tradição religiosa ou até mesmo o sentimento da presença de Deus. O uso do termo em artigos científicos é ainda incomum, apesar do aumento de publicações e de estudos sobre os fenômenos religiosos e de experiências místicas.

As experiências místicas estão presentes em nossas vidas desde os tempos mais remotos. A presença de Deus é sentida das mais diversas formas e dos mais variados relatos por pessoas em todo o mundo de diferentes religiões, tenha ele o nome que lhe for dado.

Assim, para usar a expressão de John Horgan, poderia a “neuroteologia nos salvar” diante de nossa fragilidade diante de um mundo convulsionado por guerras religiosas, por fenômenos paranormais, místicos ou entidades superiores trazendo a imagem de Deus bem mais próxima do que a realidade científica tem tentado provar? É possível “fotografar Deus” no cérebro? As patologias cerebrais tais como epilepsia ou as convulsões do lobo temporal esquerdo que tanto afetam a experiência da vida e da realidade de um indivíduo, fazendo com que este perceba o fenômeno como uma experiência mística de contato com santos ou deuses pode dizer mais do que a própria existência de Deus nos mais variados sistemas de crenças religiosas que conhecemos? Se Deus existe, seriam estas pessoas selecionadas para experimentar a sua presença do que o resto das pessoas ditas normais, tal como aconteceu com Santa Tereza D’Ávila, Joana D’Arc, São Paulo ou Van Gogh? E se assim o fosse, o fato de não ter esse tipo de distúrbio cerebral nos afasta ou nos aproxima ainda mais de Deus?

O futuro das pesquisas em neurociências poderá nos dar as respostas que tanto estamos procurando nesse admirável cérebro novo.


Doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br.

2 comentários:

  1. bom dia serginho, lindo teu blog, com excelentes assuntos. retornarei para uma leitura mais atenta.
    sds fraternas, virgínia

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  2. Acabei de sonhar com meu irmão falecido, já a três anos," comentando" um tanto exaltado que haviam simido com um tal livro que lhe pertencia, de argumento religioso, e eu também lhe falava sobre outros livros meus, de mesmo assunto, que me foram furtados. O suposto livro dele era entitulado: A Mente Mística. Resolvi procurar pelo nome do livro e encontrei seu blog.
    Na madrugada deste sabado 12/10/13. Assisti a um episódio da série fringe (fronteiras) onde um cientista desencarnado auxilia seu amigo Walter Bishop, outro cientista, a, por meio de programa de computador, fazer dowload de sua alma em um outro corpo.
    Como podemos ver" coisas estranhas e "coinsidências" mais estranhas ainda acontecem.
    Estamos longe de ver Deus como em uma foto pois desejamos que seja tal qual nos olhamos uns aos outros. A cerca de tantas questões levantadas, estamos próximos e longe. Agora vemos em parte mas então veremos face a face. Mas não do jeito que a ciência imagina ou deseja.
    Um abraço, e voltarei a olhar seu blog. Boa sorte em sua vida neste plano.

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