sábado, 13 de novembro de 2010

DURO DE MATAR 4.0 E A DEPENDÊNCIA DIGITAL



Faz algum tempo que vi “Duro de Matar 4.0”. Bruce Willis continua o mesmo canastrão de sempre. John Maclane, sua personagem, está velho, sem paciência e mais turrão do que nunca. E o filme, como era de se esperar, é um “arrasa quarteirão” e tem um ritmo frenético!

Para variar, Maclane está às voltas com mais uma trupe de terroristas. Mas desta vez o terrorismo é virtual. E no filme, ficamos sabendo, ou temos uma vaga noção, de como somos dependentes do mundo da informática nos dias de hoje.

Você não é nada nem ninguém se não estiver conectado nesse mundo. Você não pode querer ser alguém, se não estiver conectado a esse mundo.

Dos registros de nascimento em hospitais públicos ou privados ao controle do fornecimento de gás e luz elétrica; dos fundos financeiros pessoais, institucionais ou de grandes e pequenos países à sua mirrada poupança bancária; do controle do espaço aéreo e da rede ferroviária ao controle do tráfego de ruas e avenidas em todos os países do mundo, tudo, eu disse, tudo, passa pela informática. E desta, ao livre acesso de toda essa parafernália eletrônica, tudo, eu disse, tudo, pode ser feito via Internet

A esse arsenal de informações é que somos solapados para o universo do novo filme de Bruce Willis.

Saí do cinema naquele dia impressionado. Menos com as cenas de ação e efeitos especiais (ótimos por sinal) e mais com essa constatação em minha mente.

Somos completamente dependentes desses cacarecos eletrônicos e desse lixo que circula sob nossas cabeças na órbita terrestre.

Desmantele esses satélites e o caos se instala no mundo. Senão vejamos:

Não temos dinheiro em espécie suficiente nos bancos se todos nós fôssemos tirá-los ao mesmo tempo. Saiba disso: o seu dinheiro é virtual!!!

Não temos guardas de trânsito suficiente para administrar o tráfego nas grandes e pequenas cidades se os semáforos não funcionarem direito. Sim, o tráfego de ruas e avenidas é controlado, nas grandes cidades, por computador.

Não temos como nos proteger dos bandidos se as câmeras de tvs dos prédios apagarem de uma só vez. Geralmente as imagens são transmitidas para um centro de controle por cabos, alguns destes, de fibra ótima.

Não temos como sair de elevadores se todos eles pararem de funcionar ao mesmo tempo, em um prédio controlado por equipamentos de informática. Você pode ser enterrado vivo dentro de um prédio se assim desejarem. Os computadores operam isso também.

Não temos como sair de um trem, de um avião ou de um navio, se esses serviços de informática forem “deletados” ou “hackeados” (os dois termos já fazem parte do nosso vocabulário diário). Apertem o cinto, o radar sumiu e seja o que Deus quiser!!! O piloto pode ser excelente, mas ele é completamente dependente da tecnologia para se situar no espaço aéreo, marítimo ou ferroviário.

Não temos água, gás nem luz se um maníaco da informática desestruturar os sistemas de controle de fornecimento desses serviços. Todos eles hoje em dia são controlados por complexos sistemas de computadores.

Não assistiremos nosso filme favorito, nem o jornal das oito e nem a nossa novela das nove, se a transmissão por satélite for perdida.

Se quiser chamar a assistência técnica, desista! Celulares também são completamente dependentes de satélites e torres de transmissão.

Não ligaremos para a nossa mãe, nossos filhos, nossa companheira, nem nossos amigos, se os serviços de telefonia se for. O que você acha que faz um operador de telefonia quando você solicita um serviço, e onde você pensa que essas informações estão? Em um integrado sistema de computadores.

Não teremos mais acesso a serviços de sacanagem via website, nem a salas de bate papo, nem adianta conectar sua webcam e nem seu webfone, porque eles não vão funcionar sem um satélite, uma via de transmissão de dados ou sem energia. Sua imagem e voz, assim, estão perdidas e restritas a você mesmo.

Até serviços em hospitais de grande e pequeno porte podem ser abalados. Se precisar de cirurgia, entregue sua alma ao deus de sua religião e a um médico da sua confiança. Nada de cirurgia transmitidas via Internet ou de teleconferência. Muito menos aquelas realizadas através da “infovia” por um robô, do outro lado do mundo.

Você sequer pode ser identificado como você mesmo, se a polícia assim precisar.

Sem a informática e/ou a internet, voltaremos ao “tempo das cavernas”. Somos completamente ciber-dependentes ou webdependentes, como queiram, desse tipo de tecnologia criada.

Até parece que na era digital, o dígito tornou-se nosso “eu”, nosso “self” se preferirem, nossa marca identitária.

Não somos nada. Somos um número. Um dígito se assim preferirem. Dois, geralmente, até mais. Somos identificados por um número quando nascemos. O vigésimo quinto bebê a nascer foi colocado na vitrine daquela enfermaria.

Temos um número na certidão de nascimento.

Somos identificados pelo IBGE como uma quantidade a ser estatisticamente numerada.

Na escola, temos um número de identificação (matrícula e número na sala de aula).

Crescemos e recebemos um número na “carteira de identidade” (você é identificado por esse número, nos outros países, pelo número da carteira de motorista).

Temos um número de CPF para os registros e negócios bancários, e outro número para o título de eleitor para eleger nossos candidatos, que em suma, são meros números na maquininha digital (olha ele aí de novo!).

Carteira de motorista: qual é seu número?

Conta bancária? Outro número.

Comprei um computador com acesso à Internet? Qual seu “endereço IP”?

Vai fazer vestibular? Número de inscrição faz favor.

Entramos na faculdade? Número de matrícula!

Concluímos o curso: número do registro do diploma, e logo em seguida, número de registro profissional.

Entramos numa empresa e temos a matrícula do servidor.

Morremos, e finalmente temos nosso último número identificador em nossa lápide. Ou nas estatísticas de morte daquele ano. Horror!!! Puro horror!!!

Coincidentemente, ao sair do cinema a pé (o cinema ficava perto da minha casa) passei por dois jovens que conversavam despreocupadamente. Passei a tempo apenas para ouvir o que um deles disse ao outro: “cara, teve um tempo que eu nem mesmo sabia quem eu era”. De pronto o filme para mim fez sentido!!!

Nos somos nada nem ninguém sem um número, sem o dígito. O dígito tornou-se não só nossa marca identitária, como um dos mecanismos de controle da nossa vida diária. Não é a toa que a tecnologia da informática passou a ser um dos grandes mecanismos de controle e de inclusão e exclusão na sociedade moderna. E se você não sabe, computador não lê letras, lê números. Agrupamento de números que estão neste exato momento formando palavras, imagens, cores e formas na sua tela. O que você vê, está no palco do computador. O que você não vê, os dígitos, os números, estão nas coxias. Por trás do programa de Word, Excel, Adobe Acrobat, ou qualquer outro programa de webdesign.

O mais assustador em tudo isso é que esse é um caminho sem volta. A tecnologia da informática, ao contrário do que poderia parecer, ainda divide pessoas em países de todo o mundo. Mas podemos vê-la de duas formas: a partir de uma perspectiva otimista e a partir de uma perspectiva pessimista.

A perspectiva otimista diz que com essa tecnologia, muito da nossa vida vai mudar, mudou e vai mudar muito mais ainda.

A forma de relacionar-se com as pessoas, por exemplo: novas redes de amizade têm sido feitas pela Internet. Casais de namorados têm seu primeiro encontro no espaço virtual. Casamentos têm saído da telinha e virado papel passado. Você pode manter uma relação sexual com seu(sua) parceiro(a) ou com um grupo de parceiros(as). Extrapolamos as barreiras das fantasias eletrônicas!

O modo como enfrentamos os problemas do trabalho também mudou: em uma empresa de contabilidade ou administração financeira, por exemplo, é imprescindível o acesso à bolsa de valores, que você pode acessar... como? Via Internet.

As soluções encontradas tanto no campo da pesquisa científica como o acesso ao conhecimento, tudo isso e muito mais é benefício do caminho que a tecnologia da informática, leia-se, computadores e sistemas integrados de informações: existe redes integradas que tem disponibilizado a qualquer pessoa de dentro de uma instituição acadêmica, o acesso a artigos das mais variadas revistas das mais variadas áreas do conhecimento, difundindo e ampliado a divulgação do trabalho de cientistas.

Mas temos outra maneira de ver isso tudo que é a perspectiva pessimista.

A perspectiva pessimista caminha por outro lado. Ela caminha na direção e do temor da exclusão de pessoas sem acesso a essa informação e a esse arsenal tecnológico, reforçando o temor do filósofo norte-americano recém falecido Richard Rorty ao afirmar que no futuro humano “não existem projeções convincentes do aumento geral no nível de igualdade humana. Ninguém até agora escreveu um roteiro plausível no qual no ano de 2100 uma criança nascida na Bahia ou em Kinshasa (Congo) terá as mesmas oportunidades na vida que uma criança nascida em Munique ou São Francisco, Califórnia. Ninguém prevê um dia em que todas essas crianças terão igual direito a computadores na escola. (,..) Os únicos cenários sócio-econômico otimista existente no mercado são aqueles que se limitam a levar em conta as partes mais confortáveis do mundo, aqueles que já se beneficiam de mais sorte”.

Não sou um pessimista como Rorty. Faço muito uso da tecnologia da informática em meu trabalho e em meus estudos e pesquisa. Mas temo o futuro por ele acima descrito. Um futuro onde a informática esteja a serviço da exclusão social e que divida ainda mais a já malfadada trepida trupe daqueles que têm e daqueles que não têm; daqueles que tem mais e daqueles que querem muito mais ainda; daqueles que não têm e daqueles que nem sonham um dia em ter.

Não acho que a informática venha ser esse monstro descrito no filme Duro de Matar 4.0. Mas tenho plena certeza de que a escolha será nossa. Basta teclar ENTER.



Publicado na Revista Atlaspsico, Curitiba-PR, N. 12, Fevereiro de 2009, p. 26-29.

Um comentário:

  1. poxa cara, otima visão do filme!!! muito bom msm, meu prof pedio pra ver esse filme e fazer um resumo e vc simplismente "clareou a minha vista"!!!! parabens

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