terça-feira, 9 de novembro de 2010

A INTOLERÂNCIA DOS INTOLERADOS

 
Durante a Segunda Guerra Mundial Hitler operou uma máquina muita bem engendrada para produzir cadáveres nos campos de concentração: as câmaras de gás. Nelas, como se sabe, milhões de homens, mulheres, crianças e velhos morreram sob a acusação única e exclusivamente de serem Judeus.
Ser Judeu, durante a Segunda Guerra, era viver sob o medo e o peso da intolerância. Era viver sob a possibilidade de perder seu status de cidadão, desqualificado física, biológica e moralmente diante do resto da maioria. Nascer Judeu naquela época determinava a exclusão da vida pública, política e social.
Não é a toa que ao chegarem nos campos de concentração, todos eram tatuados, recebiam um número e passavam a serem identificados por esse número, não mais pelo seu nome, ou sua identidade. Mais do que isso, para demarcar as fronteiras entre quem era e quem não era Judeu, estes últimos recebiam uniformes com uma estrela amarela, A Estrela de Davi. Criou-se durante a Segunda Guerra um Estado Totalitário, no qual as pessoas são destituídas da condição de pessoa humana.
De acordo com a filósofa Hannah Arendt, que se debruçou exaustivamente ao analisar os sistemas totalitários, a genealogia do nazismo operava de modo a transformar a natureza humana em algo abjeto dentro dos campos de concentração. Havia lá uma fabricação de uma espécie humana semelhante aos outros animais. Produziam-se cadáveres vivos, através da aniquilação jurídica da pessoa moral do indivíduo e da identidade pessoal, eliminando sua espontaneidade, dando lugar a uma sociedade de moribundos, a uma sociedade de mortos-vivos ou de indivíduos privados totalmente de sua vida e até mesmo de sua morte, categorias essas que foram esvaziadas de sentido.
É preciso ainda que se diga que nesse tipo de sistema, os indivíduos foram reduzidos à mera natureza humana, ao simples fato biológico, à vida nua, nas palavras do filósofo italiano Giorgio Agamben, ou até mesmo àquilo que Hannah Arendt descrevia como sendo "a abstrata nudez de ser unicamente humano".
Bem entendido, "vida nua" aqui é denominada aquela vida destituída de qualquer valor. É a vida que pode ser matável sem que ninguém seja responsável pela sua morte. É uma vida na qual um indivíduo ou grupo de indivíduo pode ser exterminado, banido da face da terra sem que ninguém sofra punição. É a completa destituição do estatuto de sujeito de direito e de dever, na qual a pessoa é despida de sua maior condição, qual seja, a de ser exatamente um indivíduo e daquilo que o distingue do resto dos animais: a sua condição de ser unicamente um “ser-humano”.
Chama a atenção, portanto, sujeitos que foram vitimas da intolerância no passado recente da história da humanidade, deixar vir à tona a ira e o ódio irracional contra um grupo que luta pelos direitos de igualdade, conforme noticiado nos jornais de todo o mundo: a passeata Gay em Jerusalém e o comportamento de judeus ultra-ortodoxos durante o evento (tal como noticiou o jornal O Globo, em 22 de Junho de 2007).
Em Jerusalém, de uma hora para outra, ser judeu e ser gay é ser desqualificado duplamente por insurgir numa dupla identidade de grupos que sofreram igualmente as ameaças e o horror do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial.
Os Judeus esqueceram da sua própria história e incitaram o ódio do qual foram vítimas a partir das suas crenças religiosas e morais. Ser gay, para o grupo de judeus ortodoxos, é degradante. Um manifestante ultra-ortodoxo judeu chegou a produzir uma bomba caseira para matar manifestantes gays e também judeus!
Durante a Segunda Guerra muitos homossexuais foram presos e condenados a morrerem nas câmaras de gás, nos fornos de extermínio em massa ou tentar sobreviver nos campos de concentração. Para tanto, eles eram distintos dos Judeus ao usarem um Triângulo Rosa em seu uniforme. Ser portador de um triângulo rosa significava estar no mais baixo escalão dos prisioneiros dos campos de concentração. Os homossexuais naquela época eram considerados como lixo, a escória da humanidade, podendo ser humilhados e torturados tanto por soldados quanto por seus companheiros prisioneiros.
Se o reflexo identitário do espelho é insuportável, quebre-o! Se a liberdade individual de um grupo ofende, reprima-a! Se o direito de ser de uns fere o passado recente de outros, delete-o! Se o ódio irracional é a única coisa que eu posso oferecer, chame partidários de suas idéias, reúnam-se em grupos, arquitetem um bom plano e extermine o seu alvo!
Foi exatamente isso que Hittler fez ao condenar milhões de judeus (e homossexuais, ciganos, intelectuais, deficientes físicos e todos aqueles que não faziam parte da hegemonia da raça ariana) às câmaras de gás e aos fornos de extermínio em massa nos campos de concentração.
Cabe a todos demonstrar que esse passado não está esquecido.
Ele precisa estar vivo a cada segundo, para que o horror da Segunda Guerra não volte a ocorrer, seja em modelos de extermínio em massa, seja em configurações de ódio, intolerância e morte a um grupo que se pretende apenas o reconhecimento político e social de sua hegemonia enquanto cidadão e sujeito de direito.


Doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br.

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