quinta-feira, 25 de novembro de 2010

LIBERTÉ, EGALITÉ, FRATERNITÉ



A concepção de que os seres humanos merecem respeito pelo ideal de humanidade e dignidade é um bastião que tem levado os militantes dos Direitos Humanos a lutarem contra todas as formas de discriminação, preconceito, desigualdades, injustiças sociais, políticas e econômicas, violência física ou psicológica e impunidades de toda a sorte.


Neste tipo de sociedade (concretamente possível nos dias de hoje), na qual sujeitos e grupos organizados cobram dos dirigentes do nosso país e da própria sociedade o respeito pelo outro e pelo nosso semelhante, o que se torna inquestionável e o que se tenta pluralizar em nossa cultura e em nossa sociedade machista, preconceituosa, capitalista, patriarcalista, patrilinear e individualista é não só o respeito por esse “outro” que nos é semelhante, como também aumentar o sentido e a referência do “nós” a um número cada vez maior de sujeitos. Da mesma forma, também se objetiva nesta mesma sociedade recrudescer a solidariedade, a dignidade, o respeito e a tolerância pelo outro, independente da raça, cor, sexo, cultura, partido político, crença religiosa ou status social na mesma sociedade dita democrática.


Tornou-se hegemônico em nossos dias, compreender nosso semelhante como alguém de menor valor que eu, se ele não participa do mesmo grupo social do qual participo, se ele não se assemelha de alguma forma a mim ou se não encontramos um pouco de nós mesmos nesse outro. Quando isto ocorre, passamos a não só destratar o nosso semelhante como também, em alguns casos, a incorrer em sentimentos de ódio generalizado ou em ações e comportamentos de discriminação e preconceito, desencadeando o sentimento de intolerância para com este sujeito ou grupos de sujeitos.


É neste sentido que a luta dos defensores dos Direitos Humanos parece não ter fim, pois o que se objetiva é a possibilidade de viver em um mundo onde as diferenças não sejam parteiras do sofrimento de milhões de pessoas que vivem como cidadãos de segunda classe, primando por uma igualdade de direitos e deveres comuns a todos os seres humanos.


Um dos grandes acontecimentos da modernidade marcou a doutrina dos Direitos Humanos: a Revolução Francesa de 1789.


A Revolução Francesa foi o nome dado ao conjunto de acontecimentos que, entre 5 de Maio de 1789 e 9 de Novembro de 1799, alterou o quadro político e social da França, principalmente no que se refere ao Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do clero e da nobreza. A Revolução Francesa, influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana, está entre as maiores revoluções da história da humanidade. Foi considerada como acontecimento que deu início à Idade Contemporânea, abolindo a servidão e os direitos feudais, proclamando os princípios universais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (Liberté, Egalité, Fraternité).


Mas quando os revolucionários franceses proclamaram “liberdade, igualdade e fraternidade”, eles não estavam se referindo a todas as pessoas, mas sim aos homens bons, brancos e ricos, deixando de lado as mulheres, os pobres, os negros e os mestiços – a maioria da população, gerando enorme contradição política entre a teoria e a prática do jusnaturalismo.


Para que os franceses passassem a acreditar no seu ideal revolucionário, eles precisaram criar categorias sobre as quais pudessem defender e pautar seus argumentos. Para tanto, eles precisaram criar uma sociedade onde a liberdade fosse ensejada como ideal regulador entre as pessoas. Uma sociedade livre é aquela que pode propor diferenças hierárquicas sem um sentido de valor entre os hierarquizados. Porém, para que esta sociedade existisse, foi preciso criar uma nova categoria: a fraternidade. Só uma comunidade de irmãos poderia compreender que não há diferenças de valor em uma sociedade hierarquizada, porque direitos e deveres são partilhados entre os pares. A fratria, ou comunidade de irmãos, que tanto os franceses esperavam partilhar não seria possível sem um outro ideal regulador. Como ter liberdade numa comunidade de irmãos, se entre a nobreza e o clero havia a burguesia? Como ter liberdade entre os irmãos se haviam as mulheres, os pobres, os negros, o clero, a nobreza e o “resto da população” na sua condição de abjeto? Para tanto, foi preciso que um novo ideal regulador fosse criado para sustentar a liberdade e a fraternidade, e foi assim que eles criaram a igualdade!


Foi a igualdade que precisou amparar e sustentar a liberdade e a fraternidade entre os franceses. Mas sabemos bem que essa igualdade foi apenas para atender à demanda daqueles que já gozavam de privilégio na escala hierárquica da sociedade francesa. Porém, foi este mesmo ideal que se sustentou até hoje para ensejar a prática de defensores dos direitos do homem, lutando contra toda a sorte de intolerância: religiosa, sexual, social, cultural, etc., sem a qual não haveriam nem sujeitos de direitos nem muito menos sujeitos de deveres.


Não defendo um mundo de utopias possíveis. Pelo contrário: defendo um mundo onde nossas liberdades individuais e coletivas não sejam particularistas, nem de grupos excluídos nem da maioria que se autodenomina “incluídos”. Não prezo por uma igualdade absoluta e majoritária, sem reconhecer que em nossa sociedade, há inúmeras diferenças e que estas não podem ser nem menosprezadas e muito menos supervalorizadas – negar as diferenças e fazer tábula rasa ao pensar que somos todos iguais, não é defesa dos direitos humanos, é barbárie! Por fim, não proponho a fraternidade como uma das saídas possíveis para curar o câncer da intolerância social, gerador de todo mote de preconceito, que na sua face mais hedionda dizimou milhões de pessoas na Europa na primeira metade do século passado.


Eu defendo um mundo onde possamos alargar o mais que possível a referência do nós a um número cada vez maior de indivíduos, tal como propõe Rorty com o seu ideal de solidariedade. Não podemos perder esse ideal democrático e humanitário que levamos tanto tempo para conquistar, pois sem ele, rumaríamos para o caos absoluto cujas relações entre os humanos seriam eticamente improváveis.


Com o ideal do principio de igualdade em uma mão e o ideal de tolerância na outra, talvez seja possível minimizar as diferenças que nos cercam, mas sem recrudescer a pífia “moral do individualismo burguês” que dizia, até bem pouco tempo, que a liberdade é azul, igualdade é branca e a fraternidade... vermelha.



Doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br.

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