domingo, 7 de novembro de 2010

...E O RIO DE JANEIRO? TEM JEITO?

Em Janeiro de 2004 resolvi mudar para o Rio para fazer Pós-Graduação.
Dos amigos à minha família, todos ficaram surpresos. Afinal eu estava mudando para a cidade violenta, aquela que a mídia mostra diariamente os arroubos do tráfico, dos assaltos, das mortes e da violência descabida.
É a mesma mídia que ressaltava os belos corpos da garota e do garoto de Ipanema. As belas praias. Os cartões postais dessa “cidade maravilhosa”.
Saí de lá sob o aviso de levar o colete à prova de balas. Deixei-o na minha cidade natal. Aliás, nem o comprei.
Chegando aqui, eu já conhecia a cidade de outras viagens de trabalho ou estudos, me deparei com a cidade que eu havia escolhido para morar e me profissionalizar academicamente.
Não prestei atenção nos cartões postais da cidade. A exceção dos Arcos da Lapa, que eu sempre vira na TV e sempre tivera curiosidade de ser apresentado. Mas não vim em busca disso.Vim em busca de conhecimento.
Achei o que queria, onde queria e com quem eu queria.
De repente, me deparei olhando para a cidade, com olhos de antropólogo.
Vi de tudo um pouco do que me falaram. As belezas das praias e dos corpos. O calor do sol de 43 graus, que certa vez peguei saindo da UERJ. Um pouco da violência, tendo a polícia na entrada da favela da Rocinha. Os moradores de rua, em cada bairro, dormindo sob a marquise dos prédios.
Certa manhã, passei em frente à Igreja da Candelária e vi numa das calçadas que divide as largas ruas do centro do Rio um garoto, negro, pobre, descalço, sujo, dormindo naquela calçada sob o sol da manhã e em meio a um barulho infernal dos carros que ali trafegam todos os dias. Aquilo chamou minha atenção!
As pessoas passavam por cima daquele garoto para atravessar o sinal sem ao menos prestar atenção naquele corpo muito mais “queimado de sol” e “muito menos belo” do que aqueles exibidos na praia de Ipanema à base de protetor solar, anabolizante ou esculpidos em academias de ginásticas.
As pessoas não notavam a sua presença. Do ônibus, me desesperei. Pensei: Ninguém vê aquele garoto? Será que ele é invisível? Ninguém vai fazer nada? É isso o Rio de Janeiro? Será que essa cidade não tem jeito?
Para minha surpresa, no tempo em que o sinal estava fechado, vi um estudante, provavelmente de uma daquelas universidades privadas, se aproximar do garoto que dormia. Abaixou-se. Acordou-o. Trocaram algumas palavras. Pensei o pior no primeiro segundo. E o melhor no segundo seguinte.
O garoto falou alguma coisa com o estudante. Ele de pronto, abriu a mochila e tirou um pacote de biscoitos e deu ao garoto que acordara. Ele fez um gesto com a cabeça, como quem agradecia e estendeu à mão ao estudante que tirou algumas moedas do bolso e lhes entregou . O sinal abriu. O estudante passou a mão na cabeça do daquele menino, como quem diz “te cuida” e foi para sua aula. Eu sorri. Encantado com aquele “gesto espontâneo”.
Olhei para trás e vi, a tempo, um pacote de biscoito ser aberto por aquele menino, pobre, negro e sujo que dormia na calçada em frente a uma Igreja que um dia já foi notícia na mídia, comovido pelo gesto daquele estudante que nem sabia que eu o observava com olhar de antropólogo.
Eu, por meu turno, fui para minha aula com aquela cena na cabeça, pensando.... “sim, o Rio de Janeiro ainda tem jeito”. Basta querer.

Doutorando em Psicologia Clínica - PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br.

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