domingo, 9 de outubro de 2011

Comunicação e não-comunicação na psicanálise


A clínica psicanalítica se definiu pela relação estreita com a linguagem. Não foi a toa que a psicanálise foi definida como uma “talking cure” – a cura pela fala, desde que Freud e Breuer deram voz as suas pacientes histéricas. Era uma linguagem enigmática que poderia tanto seduzir como fascinar ou atemorizar aqueles que dela tentavam dar conta. Mas para que essa linguagem precisasse fazer sentido, era preciso que, ao contrário de Breuer que fechou os ouvidos ao que essas pacientes lhes diziam, Freud desse sentido e significado para os poderes terapêuticos da palavra. Inaugurava-se, assim, o imperativo de dizer tudo!

Com o desenvolvimento da psicanálise, os poderes da verbalização passaram a ser questionados desde que Winnicott descobriu o inconsciente não-verbalizável e constituiu em torno dele sua teoria das psicoses e da sua prática clínica.

Winnicott, como se sabe, não contestou o inconsciente freudiano recalcado, mas sustentou que esse inconsciente não explicaria o surgimento de doenças psíquicas graves, tais como a psicose. Ele (o inconsciente) não determina nem a sexualidade humana nem o destino da pessoa humana e não é o referente último para entender a vida e a criatividade cultural. Portanto, com Winnicott, a psicanálise muda o foco, não mais centrada na sexualidade recalcada ou em seus derivados, mas passa a buscar no inconsciente não-dizível, não verbalizável os referentes últimos da subjetividade humana, postulando assim uma teoria da comunicação e da não-comunicação.

O estudo da comunicação e da não-comunicação aparece no centro da teoria psicanalítica winnicottiana. Não obstante, outros autores da escola inglesa de psicanálise, já haviam referido sua importância no setting enfatizando as diferenças de manejo da técnica quando um paciente silencioso se fazia presente.

Haveria, então, a possibilidade de se constituir uma comunicação intersubjetiva entre o analista e o analisando, semelhante àquela vivenciada por este na relação mãe-bebê.

Essa comunicação intersubjetiva se dá a partir do momento em que o bebê nasce e se prolonga pela fase oral. Lembremos que a primeira manifestação de amor entre o bebê e sua mãe é denominada por Winnicott como um “amor-boca”, que se dá a partir da alimentação e onde se realiza uma comunicação entre ambos. Esta comunicação pode acompanhar ou não a alimentação, sendo possível observar isso quando vemos a relação entre esse par aí constituído. Na amamentação, por exemplo, é possível que ao mesmo tempo em que se sustenta o bebê para amamenta-lo se estabeleça uma relação de comunicação a partir do rosto da mãe e do bebê. O bebê pode se ver e se enxergar nos olhos da sua mãe que por sua vez o observa. É a face estética do self cuja comunicação se dá por espelhamento ou imagem especular.

No entanto, embora todos os bebês sejam alimentados, não há comunicação nesse instante se não houver uma comunicação e uma alimentação mútua entre o bebê e sua mãe. A mãe que alimenta é ao mesmo tempo alimentada por ele e às vezes essa experiência de mutualidade é referida quando o infante põe o seu dedo na boca da mãe.

Desta maneira é que podemos verificar a experiência de mutualidade e o início de uma comunicação intersubjetiva entre duas pessoas. Conforme diz Winnicott: “uma conquista que depende dos seus processos herdados que conduzem para o crescimento emocional e, de modo semelhante, depende da mãe e de sua atitude e capacidade de tornar real aquilo que o bebê está pronto para alcançar, descobrir, criar”.

O certo é que essa experiência de mutualidade pode se dar de diferentes maneiras, visto que a mãe um dia já foi um bebê e já foi cuidada pela sua mãe. Logo, ela pode já ter passado pela mesma experiência e ter registrado o sentimento que uma vez lhe foi dedicado quando ainda era um bebê. O bebê por sua vez, através da experiência de mutualidade, tem a capacidade de se desenvolver e se identificar projetivamente com sua mãe, sabendo-se que esta é a responsável por se adaptar às suas necessidades.

Contudo, é a partir dessa experiência de mutualidade que podemos enfatizar a comunicação entre o bebê e sua mãe. Com isso queremos afirmar e reforçar, junto com Winnicott, que esta experiência de comunicação está subsumida em termos de anatomia e fisiologia de corpos vivos e ligados, seja através de sons, imagens, cores, cheiros, batimentos cardíacos, movimentos de respiração, trocas de carinho e afeto, tato - através do calor dos corpos da mãe (seio) e seu bebê (boca), e de movimentos diversos que indiquem que a mãe precisa sustentar (holds) seu filho e que este perceba esta sustentação (holding) pela sua mãe.

Dá-se uma comunicação ou intercomunicação entre ambos levando a uma interação muito primitiva e fundamental para o desenvolvimento emocional de todo o indivíduo. São comunicações nas quais a comunicação verbal está fora de ordem, aliás, pode até mesmo estar suspensa – são nada mais do que comunicações silenciosas muito iniciais na relação deste novo par constituído pela mãe e seu bebê. É uma experiência à dois onde deve-se prestar atenção ao cuidado endereçado ao bebê e este, à sua mãe.

Para Winnicott, a comunicação silenciosa é uma “comunicação de confiabilidade que, na realidade, protege o bebê quanto a reações automáticas (itálicos do autor) às intrusões da realidade externa, com estas reações rompendo a linha de vida do bebê e constituindo traumas”. Esta comunicação pode ser tanto de silente quanto traumática. Quando silente, inspira a confiabilidade tomada como certa, quando traumática, produz a experiência de ansiedade – as falhas ambientais das quais evocamos.

Em suma, a comunicação silenciosa envolve a relação dual entre a mãe e seu bebê em termos físicos (gestos, ritmos, cheiros, tessituras, etc), dos quais, segundo Winnicott, a linguagem é a mutualidade na experiência e da intersubjetividade (encontro entre dois inconscientes).


 
Doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br.

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