sábado, 8 de outubro de 2011

Retraimento e Regressão em Winnicott



A psicanálise clássica nunca concedeu grande importância ao fenômeno do retraimento e da regressão. É nos textos pré-psicanalíticos dos estudos sobre a histeria que a regressão faz sua primeira aparição através dos trabalhos de Freud e Breuer.

No entanto, é a partir das contribuições dos analistas da Escola Inglesa e das relações de objeto, sobretudo a partir dos escritos de Winnicott que será ressaltado a diferenciação entre regressão (regression) e retraimento (withdrawal).

Para Winnicott, clinicamente, os dois estados são praticamente indiferenciados, porém, na regressão há o fenômeno da dependência, enquanto que no retraimento ocorre uma independência patológica. O retraimento pode ser permitido na primeira parte de uma análise, fazendo-se presente através de um processo silencioso, uma dependência extrema ou através da percepção de um ambiente persecutório.

Se para o autor o retraimento significa um desligamento momentâneo de uma relação desperta com a realidade externa, desligamento este que pode se manifestar através de momentos de silêncio ou de um breve sono, a regressão significa regressão à dependência, e não, ao contrário do que postulou Freud, regressão em termos de zonas erógenas ou libidinais.

Winnicott de igual modo ressalta a importância do manejo da regressão da dependência absoluta para a dependência relativa e em seguida, para a independência. Quando se diz que um bebê é absolutamente dependente quer dizer da importância da provisão ambiental no desenvolvimento desse bebê.

A dependência absoluta ou quase absoluta, diz Winnicott refere-se a um estado em que o bebê ainda não conseguiu distinguir entre o “eu” e o “não-eu”, ou seja, o objeto subjetivo não é objetivamente percebido, ele ainda é da onipotência criativa do bebê. O bebê alcança o estágio seguinte a partir do comportamento adaptativo que este desenvolve com sua mãe ou substituto materno. Este comportamento adaptativo da mãe torna possível que o bebê encontre aquilo que é esperado e necessário fora do self a partir da maternagem suficientemente boa, ou seja, a partir desta maternagem ele passa para a percepção objetiva.

O paciente que se encontra retraído está fornecendo um holding (sustentação) para o self. Se o analista consegue de igual modo fornecer um holding para o paciente assim que o estado retraído surge na análise, então o estado retraído pode vir a torna-se uma regressão. A vantagem de uma regressão é que ela traz consigo a oportunidade de correção de uma adaptação às necessidades inadequadas presente na história passada do paciente, isto é, a possibilidade de corrigir falhas ambientais através do manejo da técnica – na verdade, postula-se um acolhimento da demanda do paciente como se ele fosse um bebê.

O retraimento, para Winnicott, representa ainda um comportamento autoprotetor, mas o retorno ao retraimento não traz alivio e pode levar a complicações durante o processo analítico. A regressão, por outro lado, tem uma qualidade curativa, pois é possível reformular experiências precoces através da regressão. O retorno da regressão depende da reconquista da independência se for bem trabalhado pelo analista, abrindo-se a possibilidade do self verdadeiro surgir em sua dimensionalidade. Para que se alcance isto, é preciso tanto o desenvolvimento da capacidade de confiar, por parte do analisando, quanto da capacidade de fazer jus à confiança, por parte do analista. É bem provável que o desenvolvimento dessas capacidades levem algum tempo para se realizar, o que significa que o analista está se colocando no lugar de mãe-suficientemente-boa para o paciente, adaptando-se às suas necessidades.

Por outro lado, a regressão caminha do lado oposto ao retraimento. Winnicott afirma que a palavra regressão significa simplesmente o inverso de progresso. Este progresso refere-se à evolução do indivíduo, à sua psique-soma, à sua personalidade ou à sua mente, com uma formação de caráter e socialização. O progresso por ele referido tem início em uma data certamente anterior ao nascimento do infante, mas existe também um impulso biológico por trás deste progresso.

Por fim, Winnicott considera ainda que haja dois tipos de regressão: a primeira refere-se a uma retroação em uma direção ao que constitui o oposto do movimento para a frente do desenvolvimento, no qual aspectos regressivos aparecem e possibilita reconhecermos o bloqueio nos mecanismos de crescimento do indivíduo. O segundo tipo refere aquilo que o autor denominou de “regressão à dependência” a partir de uma provisão ambiental, conforme dito anteriormente.

Os pacientes que regridem à fase de dependência, não necessariamente são denominados de pacientes regredidos. Os pacientes regredidos foram descritos por Winnicott de “pacientes borderlines”, que na literatura psicanalítica atual tem sido denominado de “casos limites”. Nestes pacientes, o que se pode observar é o surgimento de uma “psicose de transferência”. Tanto no retraimento quanto na regressão, é necessário o manejo da “regressão à dependência”. A regressão à dependência é uma condição necessária para reparar falhas ambientais e promover o verdadeiro self, encoberto defensivamente pelo falso self. Mais do que isso: a regressão à dependência é um processo de cura originado no verdadeiro self do analisando. 

Mas quais seriam então as características da regressão? Seguindo o pensamento de Winnicott, estas seriam de quatro ordens: a primeira, um fracasso de adaptação por parte do meio ambiente resultando em um falso self; uma crença na possibilidade de correção do fracasso original, representada pela capacidade de uma regressão e implicando numa organização do ego; uma provisão ambiental especializada e posterior regressão e, por fim, um novo desenvolvimento emocional regressivo.

Para o autor, uma regressão na psicanálise quer dizer a existência de uma organização do ego e uma ameaça de caos, necessitando, portanto de uma investigação da organização das memórias de um indivíduo, suas ideias e potencialidades, observando a existência de condições para o desenvolvimento emocional que se tornou impossível pelo fracasso ambiental. 

Quando o autor trata de fracasso ambiental, o que na verdade quer enfatizar são as defesas pessoais organizadas pelo indivíduo necessitando, portanto, a necessidade de um processo analítico para restituir o verdadeiro self do indivíduo, encoberto pelo falso self zelador. Reviver esse período da infância é uma característica da regressão.

Neste sentido, espera-se que a regressão leve-o à fase de dependência para que sejam restituídas as condições ambientais favoráveis para o desenvolvimento de um self saudável.

Uma vez o paciente encontrando-se em estado regredido por um determinado período de tempo, a tarefa do analista é tentar reviver no setting as falhas ambientais, reparando-as, ou seja, sustentando todo o setting como o ambiente no qual foi vivido as falhas ambientais. Logo, o divã pode se constituir tanto como o analista quanto o ambiente em que se viveu aquelas falhas; as almofadas podem ser compreendidas como sendo os seios maternos ou ainda o analista se colocar no lugar de mãe-suficientemente-boa.





Doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por visitar meu blog.