Um
dos autores da Escola Inglesa de Psicanálise que mais contribuiu para um
metapsicologia do silêncio na psicanálise foi Christopher Bollas.
Para este
autor, o silêncio pode ser uma ótima oportunidade de viver a regressão à
dependência e o analista deve perceber isso no decurso de um processo com seu
paciente. Se o analista não percebe, ele poderá impedir um processo regressivo
produtivo e induzirá, segundo Bollas, à uma descompensação psicótica, ou levará
seu paciente a atuar exigências regressivas em outros lugares que não o setting, ou ainda impedirá o processo
regressivo.
Quais
seriam as condições para uma regressão, segundo Bollas? De acordo com autor,
certos aspectos da regressão estariam no deitar no divã, nas sensações física
de ser contido pelo divã, o conforto e o prazer de obter a atenção do analista,
a experiência da dimensão temporal vivida no setting, a sensação de proteção do analista, a contemplação dos
objetos no setting, entre outros,
disponibilizaria a regressão do paciente. Mas nem toda essa experiência pode
ser vivenciada no divã. Isto pode ser perfeitamente vivido com a paciente
confortavelmente sentado diante do seu analista. O divã não é condição
necessária para a regressão. Em alguns casos, a experiência do divã pode ser
experienciada como total abandono e solidão por parte do paciente.
Porém, a
condição mais importante é, sem dúvida, a compreensão do analista desse
fenômeno, ou dito de outro modo, a estrutura mental do analista junto ao seu
paciente através da transferência e da contratransferência, e que possibilita
ao paciente reviver as experiências do self
como um “conhecido não-pensado”.
Para
compreender a regressão à dependência em sua estreita relação com uma teoria da
comunicação e não-comunicação, é preciso que possamos estabelecer uma diferença
entre os usos que o analisando faz do silêncio.
Primeira
afirmação a ser feita: o silêncio na análise, tal como formulado historicamente
por Freud, pode ser considerado como uma resistência do paciente. Quanto a
isto, estamos todos de acordo. Neste caso, é preciso que o analista se informe
sobre a reserva do seu paciente em falar. Essa resistência pode se constituir
como um problema no manejo da transferência? É resistência do analisando em
relação ao analista ou é uma demanda pessoal e intrínseca do próprio paciente?
É preciso ter em mente essa forma de silêncio como resistência para que o
manejo da técnica seja adequada. Quando isto acontece, geralmente com pacientes
neuróticos ou psiconeuróticos, Winnicott é claro: uso da regra de ouro da
psicanálise clássica!
Segunda
afirmação: o silêncio é condição necessária, mas não suficiente, da regressão à
dependência. Aqui, ele é vivido como um meio pelo qual se experiencia o
continente analítico; é aquele silêncio semelhante ao vivido por uma criança
dez a vinte minutos antes de cair em sono profundo. De acordo com autor, essa
sensação é vivida quando a criança está prestes a cair em sono profundo e se
recolhe do mundo e da realidade externa, revivendo às vezes os acontecimentos
do dia, ou está em fantasia com algum objeto subjetivo, ou ainda está
imaginando-se numa fantasia qualquer. Em crianças maiores, esse momento também
pode ser vivido através do pensamento em uma música, ou pode estar fazendo
algum cálculo matemático, ou ainda pensando sobre o que sua mãe ou seu pai
fizeram ao longo do dia, ou, por fim, alguma cena que viveu durante este dia ou
até mesmo o dia anterior.
Para
Bollas “o silêncio é geralmente uma condição necessária para o ‘processar’ do
mundo interno e da realidade externa. Esse tempo precioso antes do sono é uma
experiência vital para as crianças e dura da primeira infância até, pelo menos,
a adolescência, inclusive. É frequentemente acompanhado por brinquedos, já que
algumas crianças dormem com um ursinho na cama, e até um certo ponto, esses
‘objetos transicionais’ fazem parte da natureza da ‘área intermediária da
experiência’ a qual, na minha opinião, descreve apropriadamente esse uso do
silêncio”.
É
preciso ainda enfatizar, por um lado, que quando ocorre uma regressão à
dependência no decurso de uma análise é porque esse terreno já vinha sendo
preparado pelo analista a partir dos laços transferenciais sem envolver
angústias psicóticas e o paciente vivenciou silêncios que permitiram as
experiências regressivas. Neste caso, tanto analista quanto analisando se
predispunham a esse encontro fundante do sujeito, ou conforme afirma Bollas, “o
analista levando em consideração e apoiando a necessidade do silêncio do
analisando e este descobrindo experiências internas por meio desse silêncio”.
Por
outro lado, é preciso considerar uma outra faceta do silêncio. Refiro-me ao
silêncio da reflexão tal como formulado por Bollas, ou o silêncio da elaboração
e da perlaboração.
Este
silêncio, assim concebido, o analisando encontra-se como que “flanando”, em um
“estado sem forma”. Não se trata de estados mentais ativos e sim um “pensar
intimamente”, “estudar em silêncio”, “meditar”, “analisar”, “construir
interiormente”. Este tipo de silêncio em nada tem a ver com estados regredidos
ou pacientes em regressão. Ele pode se dar em qualquer momento da análise, no
início, meio ou até mesmo antes do final de um processo analítico. Trata-se de
um momento estético, uma memória do estado de ser, no qual o tempo, o espaço, o
ritmo e o corpo do paciente não podem ser dimensionados. Na verdade é um
processo de construção interna que pode ser resultante de uma associação livre
do paciente ou de algo que o analista lhes disse.
Aqui,
quatro condições são especialmente necessárias para o bom desenvolvimento de
uma análise: primeiro, o analista deve compreender que o silêncio neste caso
não se trata de uma resistência e seu trabalho está em ajudar a desenvolver a
capacidade de pensar, refletir e elaborar do seu paciente. Segundo, sua
compreensão do uso do silêncio por parte do analisando cria a capacidade deste
em usar o silêncio em sua própria análise – geralmente, este estado é alcançado
por outros analistas clássicos que não consideram a dimensão do silêncio em sua
prática clínica. Terceiro, uma vez que o
analisando compreende isso, pode-se permitir o curso de uma regressão à
dependência para, por fim, fazer uso da reflexão como uma habilidade receptiva
no decurso de uma análise, sem que o analista se sinta constrangido ou mesmo
ameaçado com estados silenciosos do seu paciente.
O
analista, neste instante da análise, tem de ser capaz de renunciar às suas
defesas contra a ansiedade, o medo da aniquilação, da perda de identidade sua e
de seu paciente. Concomitantemente, sua identidade deve permanecer distinta e
seu sentido de realidade inalterado, mantendo a consciência no nível da
realidade e da ilusão, ou seja, deve assumir uma posição de cuidado tal qual
aquele observado na relação mãe-bebê ou mãe-suficientemente-boa, sem fazer da
atitude profissional de analista um traço dessa relação, mas sim, uma relação
direta e empática com o paciente. Feito isto, pode-se almejar a tolerar seu
amor e seu ódio sem revidar, quando muito, sua indiferença e, por fim, tolerar
suas próprias emoções oriundas dessa relação, quando despertadas.
Este é o
momento em que a intersubjetividade entra em cena no processo analítico,
semelhante aquele momento vivido na trajetória de vida do infante: um encontro
entre inconsciente. Muitas das vezes, o analista e o analisando experimentam
isso como uma transmissão de pensamento: é a hora em que uma ideia, uma
sensação ou ate mesmo uma pergunta são capturados pelo inconsciente do outro e
verbalizados por um deles, surpreendendo-se quando isto ocorre. Aqui também
podemos observar o quanto de material transferencial e contratransferencial
pode surgir no decurso de uma análise. É o mais perfeito exemplo de que haveria
uma transmissão ou comunicação de inconscientes entre dois sujeitos em análise,
e como tal, esse processo intersubjetivo vivido no setting pode contribuir, facilitar ou promover a regressão à
dependência, processo esse necessário para restituir as falhas ambientais.
O silêncio é sempre frágil, mas insubstituível. Sem silêncio não existe sentido nem sentidos, face ao marasmo da vacuidade do pós-modernismo redutor e frio. O Outro só pode ser o vislumbre do desejo (nosso) se o meu silêncio, quantas vezes impotente, mas suplicante, conseguir levá-lo à interpretação mais própia e conveniente do meu drama pessoal. Urge perseverar na construção do silêncio, porfiando o devido "acting-out".
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