quarta-feira, 14 de maio de 2014

À minha mestre, com carinho



Gostaria de dividir com vocês a grande perda que tivemos nessa segunda feira, dia 12/05/2014. A morte da pessoa que me ensinou quase tudo que sei academicamente, a Profa. Teresa Campello, psicanalista de Recife e professora aposentada da Universidade Federal da Paraíba, membro do Circulo Psicanalítico de Pernambuco.

Meu encontro com a Teresa se deu inusitadamente. Jovem, em 1994, fui fazer a disciplina ETICA EM PSICOLOGIA. Já haviam me falado que ela era uma pessoa dificíl. Após apresentar o programa de curso, no qual incluia os filosofos gregos, os modernos e os contemporâneos, Teresa pergunta: Quem já leu alguma coisa aqui de Jurandir Freire Costa? Eu e mais duas pessoas levantamos a mão numa turma de trinta alunos. Ela continua: Quem já leu alguma coisa aqui de Richard Rorty? Só eu levantei a mão. Ela se dirigiu a mim e disse: Quem é você? Com aquela empáfia característica dela.

A partir de então deu-se um encontro. Mais do que isso. Deu-se uma amizade no melhor sentido professor e aluno, mestre e aprendiz. Me lembro que ela disse certa vez: "O meu trabalho aqui é fazer vocês pensarem na contramão. Quando vocês tiverem certeza do argumento que vocês estão defendendo, eu vou fazer questão de pensar o contrário de todos vocês e demolir um a um todas as suas certezas. E quando vocês mudarem de opinião, eu vou voltar a opinião de vocês e apresentar todos os argumentos que fizeram com que vocês achassem que estavam certos, pensando na contramão". Ela era excepcional! Ao final do curso de ética, no qual teríamos que apresentar um trabalho semi-monográfico, eu a procurei para saber se ela poderia me orientar em monografia de fim de curso. Ela me respondeu: "Não trabalho com graduandos!". Fiquei acabado naquele dia. Mas depois ela disse: "Mas me traga temas, se eu gostar de algum, talvez eu lhe oriente". Dois meses depois eu a procurei e ela assinou o documento se responsabilizando pela minha orientação na graduação. 

Este trabalho resultou, ao final dele, em uma apresentação em um congresso internacional e em um artigo publicado na revista Psicologia, Ciência e Profissão. Teresa me ensinou como se ler um texto, como analisar um texto, como escrever academicamente, como entender um texto como uma intricada rede de "crenças e desejos", como diria Richard Rorty (autor que ela pouco gostava, mas lia). Me apresentou Rorty, me apresentou ao Jurandir Freire Costa, o qual disse que queria que eu fosse estudar com ele no Rio de Janeiro. Eu vim e fiz mestrado com o Jurandir. Teresa me orientou também em um trabalho de especialização em sexualidade humana, me ensinou e debateu comigo o que era sexualidade, o que era identidade, o que era gênero, mas principalmente, foi uma das responsáveis por me ensinar a psicanálise da qual trabalho hoje. Esse trabalho final da especialização em sexualidade humana, o qual eu analisei a noção de gênero do ponto de vista da masculinidade, foi todo publicado em revistas e um capítulo de livro. Não sei se ela chegou a tomar conhecimento disso. Ela ainda me incluiu no seu grupo de estudos na UFPB na época que eu era estudante de psicologia e nossos diálogos eram invejados pelos colegas que nos conheciam. Tivemos sempre uma afinidade muito grande de pensamento, de carinho, de afeto. Foi mãe, foi amiga, foi mestre, e é responsável por quase tudo o que sou hoje. Sem ela, estaria amputado da minha melhor parte (para usar uma expressão do próprio Jurandir). Tenho muitas lembranças boas da nossa convivência, apesar de todas acharem-na mal educada e grossa, o que ela nunca foi, mas não foi mesmo! Sempre acreditou em mim, sempre me impulsionou na minha vida acadêmica, sempre me tratou com muito carinho e respeito. Queria que eu assumisse a coordenação do grupo de estudos que ela formou na UFPB quando se aposentasse, o que eu veementemente neguei, por não me achar apto para tanto. Sou eternamente grato a ela por tudo o que fez por mim. Nos encontramos anos depois, antes de vir para o Rio, em um evento do Circulo Psicanalítico de Pernambuco. E quando voltei lá, e nos encontramos, ela disse: "Você não volta mais, não é?". 

Toda alegre, me dando esse sorriso lindo que me deu, como na foto  acima, um dia ela e o meu supervisor clínico Luis Martinho Maia, levaram as lágrimas um auditório com mais de 400 pessoas, no dia em que eles fizeram a aula da saudade, momento este em que ela e o Luis Maia se aposentavam. Ninguém naquele dia segurou o choro, da mesa ao auditório em peso, todos nós chorávamos de emoção ao ouvi-lo e ao ouvi-la ministrar sua última aula na UFPB.


Há algum tempo, eu sabia que Teresa vinha desenvolvendo um trabalho junto a professores que lidavam com sujeitos surdos, no Centro SUVAG de Pernambuco. Houve algumas publicações nesse sentido, uma das quais ela mesmo me presenteou. Descobri uma linda homenagem de um dos alunos do SUVAG, o qual trato de repostar aqui, no link:https://www.youtube.com/watch?v=L4rX4u0m_zY . Não por acaso, o meu próximo trabalho acadêmico, vai ser sobre psicanálise e surdez. Será um trabalho para os próximos quatro anos em que dedicarei à memória dela, e tentarei aproveitar tudo o que ela construiu em termos de trabalho nos seus últimos anos de vida.

Teresa, não tenho palavras para expressar o quanto você foi importante para mim e para a grande maioria dos seus alunos, de todos os que passaram por você, profissionais que hoje estão sentindo a sua falta. A você, meu carinhoso abraço saudoso, esteja você onde estiver. Vou sentir muito a sua falta. Estava falando em você essa semana, para lhe enviar minha tese de doutorado e te escrever: "Olha, eu consegui!". Acho que você ia ter orgulho de mim, como acho que deve estar tendo em algum lugar ai no céu! Só posso dizer que o mundo acadêmico ficou um pouco mais pobre e triste hoje, mas que o céu, este sim, deve ter motivos para fomentar aqueles diálogos que só você sabia e sabe fazer. Um beijo carinhoso com muita saudade do discípulo que vai tentar fazer o mesmo que você fez por mim um dia aos meus alunos. Aqui fica o meu adeus! Um dia a gente volta a debater daquele jeito que só o nosso grupo e nós mesmos sabíamos fazer.

Aqui um singela homenagem, mais do que merecida: 





Doutor em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br. Visite também o meu site pessoal: http://sergiogsilva.sites.uol.com.br .

5 comentários:

  1. Linda homenagem. Ela era minha tia querida.

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    1. Fernanda, sua tia era muito querida por mim. Me ensinou metade do que sei ainda hoje. Quantas saudades. Queria poder fazer uma outra homenagem a ela.

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  2. Fernanda, quero fazer cobrado com você e sua familia.

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  3. Fernanda, quero fazer contato com você e sua familia.

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  4. Tradução da letra AO MESTRE COM CARINHO

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    To Sir With Love
    Lulu

    Ouvir "To Sir With Love"
    na Amazon Music Unlimited (ad)
    Opções
    Original Tradução
    Those school girl days
    Of telling tales
    And biting nails are gone
    But in my mind
    I know they will still live on and on
    But how do you thank someone
    Who has taken you from crayons to perfume
    It isn't easy, but I'll try

    If you wanted the sky I'd write across the sky in letters
    That would soar a thousand feet high
    To Sir, with love

    The time has come
    For closing books
    And long last looks must end
    And as I leave
    I know that I am leaving my best friend
    A friend who taught me right from wrong
    And weak from strong
    That's a lot to learn
    What, what can I give you in return?

    If you wanted the moon I'd try to make a star
    But I would rather you let me give my heart
    To Sir, with love

    Ao Mestre, Com Carinho
    Aqueles dias de estudante
    De contar historias
    E de roer unhas, se foram
    Mas em minha mente
    Sei que sobreviverão para sempre, sempre
    Mas como vc pode agradecer alguém
    Que te tirou dos lápis de cera para o perfume
    Não é fácil, mas eu vou tentar

    Se você quisesse o céu, eu escreveria sobre o céu com letras
    Que planariam a mil pés de altura
    Ao Mestre, com carinho

    Chegou a hora
    De fechar os livros
    E os olhares demorados devem acabar
    E enquanto eu os deixo
    Eu saberei que estou deixando meu melhor amigo
    Um amigo que me ensinou o certo do errado
    E o fraco do forte
    É bastante para aprender
    O que, o que eu posso lhe dar em troca?

    Se você quisesse a lua eu tentaria fazer uma estrela
    Mas eu gostaria que você deixasse lhe dar meu coração
    Ao Mestre, com carinho

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