sábado, 14 de abril de 2012

Robert Fliess e os tipos de silêncio



Para Robert Fliess o aparelho da linguagem funciona conforme o modelo das atividades erógenas de uma zona particular tal como os traços de caráter descritos por Karl Abraham. Esse modelo, diz o autor, condicionaria a palavra segundo um modo de produção excretora particular, havendo, portanto, três tipos de linguagens conforme os tipos libidinais:

  • a linguagem erótico-uretral
  • a linguagem erótico-anal
  • a linguagem erótico-oral


Para cada uma dessas formas particulares de linguagem, Robert Fliess estabelece uma correspondência com um tipo de silêncio específico, posto que, se a palavra é um substituto da atividade esfincteriana, o silêncio equivaleria ao fechamento de um desses esfíncteres, e a dificuldade do analisando em seguir a regra fundamental da análise corresponderia a um medo de deslocamento dessa incontinência, ou, dito de outro modo, quando um paciente para de falar, a retenção das palavras pode corresponder a um tipo de produção excretora.
De acordo com o autor, haveria então três tipos de silêncio que corresponderiam a essa forma particular de fechamento esfincteriano:

  • o silêncio erótico-uretral
  • o silêncio erótico-anal
  • o silêncio erótico-oral


Para cada um deles corresponde um conjunto de características, tais como a maneira pela qual começa a pausa no discurso; o grau e o tipo de oposição à palavra e à comunicação do pensamento pelo silêncio; o comportamento durante o período de silêncio; o cessar, ou seja, a reação do paciente à injunção do analista para que retome a fala.
O silêncio erótico-uretral é a forma mais normal de silêncio e a que mais lembra a pontuação durante uma conversação. O parelho da linguagem funciona conforme o modelo do esfíncter uretral no momento do seu fechamento e o paciente não parece paralisado diante de nenhum conflito, seja ele interno ou externo, no início ou fim de momentos de silêncio. O que se pode observar é que o paciente está construindo o seu pensamento diante da sua fala. Se interrompido o fluxo de suas palavras, o aparelho de linguagem funcionará segundo o esfíncter da uretra sem graves problemas quanto ao seu fechamento ou a sua abertura.
O silêncio erótico-anal, ao contrário do seu correlato anterior, parece emanar de uma inibição. Durante o decurso de uma fala, o silêncio que se faz presente parece perturbar o falante que não consegue prosseguir o fluxo de pensamentos quando convidado pelo analista, apresentando um estado de tensão e conflito. Tal qual a abertura e o fechamento do esfíncter anal, o paciente quando experimenta momentos prolongados de silêncio, é capaz apenas de entregar uma pequena parte de seus pensamentos, o que torna esse tipo de silêncio mais regressivo do que o silêncio erótico-uretral, havendo ainda a possibilidade de apresentar uma “constipação verbal” quando manifesto.
Por fim, o silêncio erótico-oral é aquele que escapa ao controle da erogeneidade oral e ao contrário dos anteriores, substitui uma verbalização pelo silêncio propriamente dito. Lembra muito o mutismo e dá a impressão de que o paciente se ausentou física e psiquicamente, dado que esse silêncio se mostra interminável e raramente cessa diante de um pedido do analista. Aqui, apresenta-se uma falta completa de afeto, de motivação que pode induzir, sustentar ou acompanhar esse período de silêncio.
De acordo com Robert Fliess, em situações de silêncio erótico-oral o paciente libera energias ativas e passivas, explorando a situação analítica em termos de uma transferência que exige a incorporação do sujeito e do objeto; portanto, o analista deixa de existir como objeto do mundo exterior perdendo sua capacidade sugestiva. Neste tipo de silêncio, o aparelho de linguagem funciona a partir do controle do afeto regressivo de um ego infantil e precoce.
Para o autor, as diferentes formas de silêncio erótico parcial que se opõem à verbalização não passam de uma luta pelo controle da descarga pulsional engajado pelo ego infantil. Ao transformar os derivados do pensamento inconsciente recalcado em representações de palavras sonorizadas, a verbalização necessita de uma abertura do corpo que delimita uma zona erógena, permitindo uma regressão a essa zona. Sem o recurso à regra fundamental da psicanálise essa descarga não seria possível. Logo, para diferentes tipos de personalidades ou traços de caráter, apresentar-se-ia um tipo de sintoma diferente, e para cada um deles o analista deveria ser cuidadoso ao abordar o silêncio manifesto no setting, pois para cada caso, haveria uma forma diferencial no manejo da técnica.
Em termos econômicos e dinâmicos, a verbalização é o motor de diferentes modos de pensar que necessita de certa quantidade de energia para ser ab-reagida. De um ponto de vista topográfico, a verbalização é uma resposta de motilidade (discurso) a uma percepção (pensamento), ou seja, uma função do ego e um instrumento de apropriação do conteúdo inconsciente do ego. Portanto, a liberação do afeto regressivo pela utilização erógena do aparelho de linguagem na verbalização só poderia provocar transformações na constituição do prazer fisiológico do ego corporal.
Se em sua metapsicologia o silêncio pode ser compreendido a partir de pontos específicos de formações libidinais, na prática, o manejo não seria tão diferente daquele com o qual os analistas clássicos estavam acostumados a lidar. Nesse sentido, não há acolhimento, nem uma escuta profunda. O que há é a constituição de uma dinâmica que muito embora traga uma grande contribuição teórica para a metapsicologia do silêncio, na prática, não ressalta o valor positivo do silêncio no setting.



Doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-RIO; Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Email de contato: sergiogsilva@uol.com.br. Visite também o meu site pessoal: http://sergiogsilva.sites.uol.com.br .

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